Nota de Rodapé #04
edição especial sobre amor e o começo de uma nova temporada do podcast na sala de espera
Essa edição da Nota de Rodapé é dedicada especialmente aos temas da nossa terceira temporada do Podcast Na Sala de Espera. Vamos falar sobre amor, sexo e relacionamentos. E deixamos aqui nosso convite para vocês acompanharem os episódios que serão publicados quinzenalmente às segundas-feiras.
O primeiro episódio já está no ar e estamos conversando sobre relacionamentos contemporâneos. O que mudou e o que continua igual? Como a cultura influencia a maneira como vivemos nossos afetos?
Para ouvir “Amar: novos modos de uso“, acesse o episódio aqui:
Antes fosse ressaca
por Thaiane Paschoal
Quinta-feira, véspera de feriado, Luciano chega em casa com um arranjo de flores coloridas. Eu tive uma semana difícil e ele quis trazer um pouco de cor para mim. Funcionou. Nosso feriado foi incrível, saímos e recebemos amigos. Tudo muito divertido até nos depararmos com um croquete.
Foi em um bar no sábado, tomamos drinks e pedimos uma porção de croquetes. Chegamos em casa um pouquinho altos e quando acordei no domingo anunciei que a bebida não tinha me feito bem. Achei que eu estava sendo tomada por uma ressaca avassaladora, questionei a qualidade do gin, mas logo Luciano entrou para o mundo dos agonizantes da manhã seguinte e percebemos que a culpa não tinha sido da bebida.
Antes fosse ressaca, meus amigos.
Em casal fomos acometidos por um mal terrível. Luciano ficou bastante ruim, mas eu atingi o estado de humilhação.
Irei poupá-los dos detalhes escatológicos, mas absolutamente nada parou no meu estômago, nem uma maçã, nem um comprimido de Dramin, nem um gole de Gatorade. Nada mesmo. Os dois jogados da cama para o sofá, do sofá para a cama, mãos dadas em um domingo trevoso.
Apesar da circunstância pouco romântica, ficou explícito que nosso ritmo estava alí. Dançamos juntos entre náuseas e dores musculares, um balé muito bem ensaiado. Nosso pas de deux.
Os casais tem seu ritmo e em momentos conturbados, como uma dupla intoxicação alimentar, esse alinhamento acaba explicitado.
Afinamos nosso compasso na parceria diária, na valsa cotidiana. Uma relação libertadora nos dá o direito de errar, de sair do ritmo e até de desafinar.
E em momentos de desafino, eu olho para o centro da mesa e vejo um monte de flores coloridas, que me fazem querer continuar a dançar.
SAC - Serviço de Atendimento ao Casal
por Luciano Mattuella
Tem me chamado a atenção no consultório o relato de casais cujos membros parecem estar em um estado bélico permanente. Como se estivesse um contra outro, e não com o outro.
Algumas vezes essa beligerância se apresenta como uma DR permanente: aos poucos, o casal vai perdendo o interesse no mundo e nas coisas ao redor, voltando a atenção exclusivamente para a própria dinâmica. Ao tematizarem o tempo todo a própria relação, parecem achar um ponto de encontro, mas pela via da problematização e do tensionamento, e não através da gozo de uma vida em parceria.
Claro que momentos de questionamento do laço são inevitáveis e, por vezes, o casal até sai melhor destas discussões. Mas o que parece estar em jogo nos casos que citei acima é uma inconformidade com a evidência de que a união de duas pessoas passa inevitavelmente por suportar que cada um traz consigo a sua história e suas fantasias.
Em tempos em que o individualismo ergue muros cada vez mais indissolúveis, a presença do outro parece surgir como uma ameaça ou como uma perda. Deixar-se afetar pelo outro ganha tons de submissão, como se um casal só pudesse existir sob o imperativo de que “alguém tem sempre que ceder”. Mas será que não se confunde ceder com permitir-se alterar pela presença de alguém diferente?
Me faz questão o quanto se tem perdido a dimensão de que um casal é uma instância terceira que tem uma subjetividade própria para além daquelas duas pessoas que estão ali. Existe o um, o outro, e também o casal, com tudo que isso implica. Quando esta referência terceira se perde, quando não se pensa o casal como um refúgio a ser zelado, cria-se um clima de guerra.
E pior: de cobranças.
Sim, cobranças. Porque quando falamos no capitalismo tardio, também estamos falando de tempos em que o outro precisa se adequar perfeitamente à minha fantasia para que se possa fazer laço, mas aí já nos vemos em uma lógica de consumo, e não de parceria de afetos.
Quando reduzimos o outro a um produto que precisa se adequar às expectativas, entramos no perigoso campo do uso e abuso do outro como um objeto que precisa satisfazer todas as necessidades e vontades. Mas sem um SAC para ligar caso o produto não for do agrado.
Aliás, nestas situações, o SAC acaba sendo a própria relação.
De capa nova
O livro do Luciano, “Um itinerário íntimo pela psicanálise lacaniana“, foi reimpresso e está de capa novíssima em folha, criada pelas mãos da incrível Maria Williane e publicada pela Editora Zouk.
Para adquirir o seu exemplar diretamente na Editora Zouk, o link está aqui:
Um itinerário íntimo pela psicanálise lacaniana - Luciano Mattuella
Conto inédito na Saiote
Essa semana saiu a nova edição da Saiote, a incrível newsletter da Baubo Esc., e lá você vai encontrar um conto inédito da Thai. Para ler “Horário de almoço“, clique aqui:
Horário de Almoço - Thaiane Paschoal
Links interessantes:
Última coluna do Luciano publicada na Sler, em 25/04/2023, “A beleza não é mais o padrão“: https://sler.com.br/a-beleza-nao-e-mais-o-padrao/
Um artigo que apresenta um outro lado da não-monogamia: https://ethic.es/2023/04/hay-alguien-lo-suficientemente-bueno-para-usted/
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Ah Thai, ah casal, amei o primeiro episódio da temporada. Achei as questões tão pertinentes. Tão interessantes. Como alguem de uma outra geração, devo dizer que gostei especialmente da colocação do Luciano, do Casal como uma terceira instância, que como tal tem que ser cuidada. Que pode ser um refúgio. Gostei imenso desta forma de olhar. O Sala de Espera continua me dando bem essa impressão. Uma sala de espera impossível para uma sessão de psicanálise, (in my opinion). Mas totalmente possivel para deliciar todas as outras especialidades, principalmente a ex-minha. O duro é a vontade que dá na gente de dar pitacos nos papos. A Nota de rodapé também está ótima. Parabéns pra vocês. Muito grata e feliz com sua volta. Pronta para os próximos episódio.
Thai, segue minha sincera admiração das tuas capacidades, e inveja confessa.
Um beijo pros dois.