No segundo episódio da terceira temporada do podcast Na Sala de Espera, conversamos sobre aplicativos de relacionamento, amor e tecnologia. Se ainda não ouviu, basta clicar nesse link aqui embaixo e seguir o podcast na sua plataforma digital para não perder o lançamento dos próximos episódios:
Amor é bossa nova, sexo é carnaval
por Luciano Mattuella
Uma das maiores contribuições de Freud foi demonstrar o quanto nós - todos nós - somos habitados por impulsos destrutivos e pelas fantasias sexuais mais despudoradas. Em seu famoso artigo “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, publicado nos longínquos 1905, o pai da psicanálise produz algumas rupturas com a moral civilizada de sua época, em especial no que se refere à sexualidade infantil, ao propor que já a relação mãe-bebê tem algo de erótico, como também com relação à vida sexual dos adultos, ao afirmar que “a perversão é o negativo da neurose”.
O negativo, não o oposto. Vamos com calma aqui. O leitor mais jovem talvez não esteja acostumado com essa ideia, mas quando ainda tirávamos fotos com a máquina fotográfica, precisávamos levar o rolo para ser revelado em algum lugar especializado. Neste rolo estavam os “negativos" das fotos: imagens estranhas e até um tanto fantasmagóricas, como aquelas de um raio-x. Ver-nos nestes negativos produzia uma sensação que ficava entre a repulsa e a curiosidade.
É por aí que vai a hipótese de Freud: todos nós, neuróticos, temos uma dimensão meio repulsiva, ainda que um tanto curiosa. Nós desejaríamos ser tão explícitos quanto os perversos, termos o mesmo acesso radical às fantasias sexuais que eles têm. Entretanto, somos atravessados por uma cultura que nos moraliza, e isso nem sempre é algo ruim: afinal, não fosse assim, estaríamos o tempo todo tomando os outros como objetos da nossa satisfação, viveríamos instrumentalizando e sendo instrumentalizados por aqueles que nos rodeiam.
Com alguma sorte e um bom tanto de coragem, nós encontraremos pela vida alguém com que nos sentimos à vontade para desempenharmos estes roteiros perversos que nos habitam - com consentimento, claro. Aliás, o consentimento pode muito ser visto, dentro de uma relação, como a permissão para levantarmos o véu civilizatório da hipocrisia e vermos o que tem ali debaixo.
Um casal que fale sobre seus desejos e seus interesses na cama costuma ter uma vida sexual bem mais… interessante.
O flerte, a azaração e a paquera carregam consigo a necessária hipocrisia que nos permite fazer laço com os outros, como naqueles adesivos que estavam na moda há algum tempo: “Preferia estar pescando”. Só que, neste caso, é algo como: “Preferia estar transando”. Já o sexo em si pode ser tão mais empolgante quanto nos deixemos ser curiosos pela narrativas mínimas de satisfação que quebram a barreira civilizatória.
Em outros termos: a paquera é erótica, a fantasia é pornográfica.
Talvez aliás isso explique um bom tanto do moralismo tacanha tão sintomático do nosso país: quando a violência e a sexualidade que habita cada um não pode ser lida e acolhida, a tendência é atribuirmos os nossos piores horrores aos outros. É uma alienação voluntária e que, como vimos no governo passado, deixa seus rastros de morte e de intolerância espalhados por todos os lados.
O fim da Mulamba
por Thaiane Paschoal
No início do mês, a banda Mulamba anunciou seu fim.
“Foram mais de sete anos de muita coisa, e chegou a hora de pisar no freio, voltar pra casa ou sair dela, hora de descansar o coração ou acelerar mais ainda", escreveram no post de despedida no Instagram.
Meu coração de fã congelou quando li a notícia. Mulamba é de Curitiba e nasceu na cena nos bares que eu costumava frequentar. Uma banda de mulheres, com música de protesto, empoderamento e afeto. Uma verdadeira ode ao feminino.
Eu fui a muitos shows, comprei camiseta, assisti as lives durante a pandemia.
Alguns desses shows foram catárticos e só a mera lembrança me remete a muitas emoções. Eu não estava acostumada a ver mulheres tocando do jeito que elas tocavam no palco, não porque essas mulheres não estivessem fazendo música, mas talvez porque eu não tinha a capacidade de enxergá-las.
A nascente da arte feminina é marginal. As mulheres artistas sempre existiram, só que historicamente foi muito mais difícil para que elas conseguissem encontrar reconhecimento público.
O caminho de uma banda feminista que denuncia explicitamente e sem papas na língua a misoginia e o machismo estrutural, não tinha como ser fácil. Tudo fica ainda mais delicado em se tratando de Curitiba, que é uma cidade maravilhosa, porém largamente conservadora.
Não é agradável ouvir as verdades que elas traziam em suas músicas:
Eu às vezes mudo o meu caminho
Quando vejo que um homem vem em minha direção
Não sei se vem de rosa ou espinho
Se é um tapa ou carinho
O bendito ou agressão
E se mudasse esse ponto de vista
E o falo fosse a vítima
O que o povo ia falar?
Trocando, assim, o foco da história
Tirando do homem a glória
De mandar nesse lugar
Esse é um trecho de P.U.T.A, canção que marcou a música brasileira, por denunciar sem medo, a cultura do estupro, algo tão presente em nosso país e tão pouco falado. Desconheço uma mulher que nunca tenha mudado o caminho para fugir de um perigo que ela sabia que estava correndo, mesmo que tudo tenha acontecido no mais absoluto silêncio.
Mulamba rompe o silenciamento e transmite, através de sua arte, uma mensagem que fortalece e ensina a lutar, denunciar e arrancar a mordaça.
Os shows da Mulamba com as minhas amigas foram experiências que carregarei comigo pela vida inteira.
Não consigo explicar o atravessamento que Mulamba teve em mim. Acho que essa é a essência da arte: transformar e expandir. Elas expandiram a tal ponto que se tornaram eternas.
Porto Alegre vai ganhar um novo Espaço Cultural e quem tem a honra de encabeçar esse projeto, sou euzinha aqui, Thai. Receberemos cursos e eventos em parceria com profissionais e especialistas de todas as áreas relacionadas à arte e cultura. Além disso, contaremos com uma lojinha com curadoria de peças de artistas independentes, e também, um estande de livros.
A ideia é ter um Espaço físico para ser morada de lindos encontros e ideias.
Em breve, serão divulgados os primeiros cursos e nossa data de inauguração. Enquanto isso, você pode nos seguir nas redes sociais e se tiver uma proposta de curso ou evento para realizar no Espaço Mon Soleil, basta preencher esse formulário, que entraremos em contato.
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Links interessantes:
IMPERDÍVEL. Um link para nos deslumbrarmos com o tamanho do universo próximo a nós. E para nos darmos conta de como somos pequenos: https://neal.fun/space-elevator/
Um bonito texto de despedida para nossa eterna rainha Rita Lee: https://www.quatrocincoum.com.br/br/artigos/musica/agora-quem-falta-e-voce-rita-leel
E como estamos falando em música, essa é uma entrevista bem completa para conhecer melhor nossa diva pop maravilhosa IZA: https://glamour.globo.com/lifestyle/noticia/2023/05/uma-das-maiores-cantoras-de-sua-atualidade-iza
A última coluna do Luciano publicada na Sler em 16/05/2023: https://sler.com.br/o-que-resta-da-pandemia-em-nos/
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Essa vez, cês me levaram pro espaço. Adorei.