Astigmatismo metodológico
por Luciano Mattuella
Talvez a ilusão mais estranha que estrutura a ciência moderna seja a de que seria possível compreendermos o mundo sem estarmos presentes nele. Em certa medida, o método das chamadas ciências duras é também uma cartilha para um suicídio: ao procurar apagar cada vez mais a presença do sujeito que controla o experimento, supõe-se um horizonte em que o pesquisador nem mais estaria ali. Como se fosse possível um enunciado (uma lei da física, uma constante da bioquímica…) sem alguém que o enunciasse.
A ciência moderna, nas suas versões aliadas à lógica do capital, almeja a morte do pesquisador. Lacan chamava estes cientistas - especialmente os psicólogos - de “fiadores do devaneio burguês”, e ele tinha toda razão: quando produzimos um discurso sem nos atentarmos para as premissas que subjazem aos enunciados, nos esquecemos que apesar de todo o empuxo à uniformização que é típico da lógica neoliberal, nós ainda estamos aí, no mundo, na condição de sujeitos.
Ou seja: fazer ciência, como todo ato de linguagem, é também um ato ético.
Um contraponto muito sensato e instigante a esta perspectiva nos é apresentado por Alenka Zupancic em seu recém-lançado livro “O que é sexo?”. Logo nas primeiras páginas a autora nos convida a pensarmos a impossibilidade fundamental de nos colocarmos em um ponto fora do mundo para vermos a realidade. Ou seja: sempre observamos os fenômenos desde algum lugar, ainda que muitas vezes sequer saibamos de onde.
Segundo Alenka, e concordo com ela, para a psicanálise este ponto desde onde narramos o mundo seria a sexualidade, nas suas mais variadas manifestações. Isso quer dizer que tudo é sexual? Não, de forma alguma. Mas é impossível ignorarmos que muito do que fazemos tem a ver com o nosso ímpeto de amarmos, sermos amados, desejarmos e sermos desejados. A psicanálise, neste sentido, é uma forma de narrar a aventura humana pela Terra, o que não significa que seja a única.
A assepsia intelectual, estética e moral da ciência neoliberal, quando imposta como a única forma de produção de conhecimento, se torna um astigmatismo metodológico ou, no pior dos casos, uma estratégia de marketing, como temos visto em recentes publicações na área.
Invernos
por Thaiane Paschoal
O clima em Porto Alegre é uma aventura complexa, só que esse inverno não fez frio. Tivemos muitas tempestades, alguns ciclones, dias gelados, mas não foi tão intenso e constante como esperado para essa época do ano. O fator climático, antes considerado um divisor do tempo, agora anda desfocado. A linha que definia a passagem das estações está borrada.
Eu tinha comprado um casaco de lã com estampas de sol para usar no coquetel de inauguração do Mon Soleil, afinal, a celebração aconteceria no coração do inverno, dia 22 de julho. Fez 30ºC no dia. Eu gostei do veranico, mas infelizmente não pude exibir minha fabulosa peça garimpada.
Ultimamente não tenho escrito tanto quanto eu gostaria, mas compreendo que isso também é uma fase. É difícil fazer ficção em um momento que minha vida ficou tão real.
Como uma pessoa fiel à própria neurose, cuido para anotar tudo, faço listas, grupos comigo mesma no Whatsapp, repasso a minha agenda mentalmente e em voz alta diversas vezes ao longo do dia. Sinto que as anotações aliviam a minha angústia, mesmo quando não resultam em uma ação concreta, apenas a organização já satisfaz o meu desejo de ver as tarefas sendo concluídas.
Durante a pandemia, conheci um site que oferece a possibilidade de que enviemos cartas para nós mesmas no futuro e desde então, adotei a prática. É sempre uma surpresa o dia em que as palavras que escrevi no passado chegam por e-mail.
Recebi uma carta que enviei em novembro do ano passado, em um trecho fiz questão de ressaltar que escrevo para não me esquecer que essas coisas aconteceram. Acho curioso que uma pessoa com uma memória como a minha e com tantas anotações e listas, ainda assim precise fazer esse tipo de aviso.
Olha, cuidado para não esquecer que você estava sentindo certas coisas.
Eu me referia a um momento de ruptura em uma relação que me era muito cara. Quando eu escrevi, estava dolorida, sentindo tudo de forma aguda e sabendo que o tempo ajudaria a matizar esses sentimentos. Era tudo o que eu queria à época, que aquele sentimento ruim, borrasse. Queria parar de me sentir abandonada na chuva. Mas não quis esquecer como foi ruim viver tudo aquilo.
Foi interessante me deparar com isso em um momento que me encontro em melhores condições climáticas. Esse acontecimento já ficou meio desfocado.
Serviu como lembrança de como a vida não é linear. Mesmo não fazendo tanto frio, ainda é inverno e é sempre bom lembrar de carregar um guarda-chuva.
Para ouvir:
AFRODHIT - IZA
O novo disco da IZA lançado nesse mês de agosto, é um remix absoluto de música pop, afrobeat, funk, samba e R&B. As músicas falam de um novo momento na carreira da cantora, que se consolida por sua qualidade musical e artística. IZA é completa e esse disco vale muito ser ouvido e aproveitado.
Para ler:
A última edição da Revista Rosa traz um dossiê sobre a relação da psicanálise com a ciência. Vale a pena a leitura!
UMA CONVERSA SOBRE AMOR
O Espaço Mon Soleil apresenta a primeira edição do "Conversando", um evento para fazer circular a palavra, ouvindo pessoas diversas em um ambiente aconchegante. Na quinta-feira, 31/08 à partir das 20h, o bate papo é sobre amor e coragem. A conversa será provocada pela publicitária Patrícia Carneiro e o psicanalista Eduardo Pires e mediada pela Thai, mas o público também participa. Se estiver em Porto Alegre, não perca esse evento. Para se inscrever, basta chamar aqui: inscrições e informações.
Últimas publicações:
Artigo do Luciano em pareceria com Vitor Hugo Triska para Zero Hora, publicada em 03/08/2023, “Seria a psicanálise uma pseudociência“: https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/noticia/2023/08/seria-a-psicanalise-uma-pseudociencia-clkvh5zpb00az017914vngtj1.html
Artigo do Luciano para a Revista (parêntese) do portal Matinal, edição Ago/2023, “Quem ri por último“: https://www.matinaljornalismo.com.br/parentese/edicao-mensal/artigo-edicao-mensal/quem-ri-por-ultimo/
Última coluna do Luciano publicada na Sler, em 08/08/2023, “Sobre fofocas e segredos“: https://sler.com.br/sobre-fofocas-e-segredos/
Última publicação do Luciano no Sul21, em 08/08/2023, “A bagagem que carregamos“: https://sul21.com.br/opiniao/2023/08/a-bagagem-que-carregamos-coluna-da-appoa/
Escute o episódio do Na Sala de Espera:
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