Alô, Porto Alegre. Em outubro e novembro teremos o novo módulo do curso permanente do Luciano no Espaço Mon Soleil em 4 encontros presenciais:
O Espaço fica localizado no bairro Boa Vista na Rua Furriel Luiz Antônio de Vargas, 380 - sala 412 e o ambiente é super aconchegante. Nós esperamos vocês.
A intuição como método
por Luciano Mattuella
Em geral, cai bem acreditar na própria intuição.
Mas veja bem, não estou falando aqui de alguma dádiva sobrenatural ou poder divinatório.
Penso a intuição como uma a capacidade que todos temos de nos atentarmos aos detalhes, especialmente àqueles pequenos elementos do cotidiano que só acessamos de forma involuntária e inconsciente.
Todos nós já tivemos a experiência de encontrar alguma pessoa e sair daquela conversa com um pé atrás, como costumamos dizer. Seja porque algo a entonação da voz nos pareceu mais ríspida, seja por alguma palavra escolhida que ficou meio fora de contexto… Por vezes, nós sequer sabemos exatamente o que nos despertou esta desconfiança. É curioso, mas também assustador, sabermos que a realidade a que temos acesso não se esgota naquilo que é perceptível apenas pela racionalidade e pela atenção voluntária.
Na verdade, o inconsciente é ótimo em pescar detalhes do nosso entorno, especialmente daquelas pessoas por quem nutrimos alguma espécie de afeto. Quando amamos alguém estamos mais suscetíveis aos sinais que esta pessoa emite, mesmo de forma involuntária. Uma contração inesperada da testa pode ser lida como descaso, um brilho no olhar, como paixão.
Em geral, temos acesso a estas percepções inconscientes só mais adiante. Não raro, esta convicção tardia vem acompanhada de uma fala ou pensamento como “claro, já dava pra ter imaginado que seria assim”. Ou seja, somente quando aquela percepção inconsciente se concretiza na cena do mundo é que ela se torna visível. Só faz sentido a posteriori.
Até porque, no mais das vezes, nós ignoramos estes detalhes. A não ser, claro, que estejamos em busca deles ou que sejamos mais propensos a percebê-los, como é o caso dos psicanalistas e, a bem da verdade, de todos aqueles que se debruçam sobre o sofrimento do outro. Cuidar implica estar atento e disponível.
Os ficcionistas - romancistas, contistas, poetas - também são exímios nesta arte de decifração dos detalhes. A intuição aí surge como uma complexificação da realidade evidente, como uma atribuição de profundidade a elementos aparentemente banais - é um ato de ficcionalização do mundo.
Em tempos de escassez narrativa e de apagamento das singularidades, não se deveria ignorar o valor de uma relação intuitiva com os outros e consigo mesmo.
Corrida de obstáculos para a criatividade
por Thaiane Paschoal
Para as mulheres que decidem viver de sua arte não existe um caminho fácil. Para começo de conversa, o trabalho criativo é uma coisa muito louca. Ao mesmo tempo que não dá para ser algo totalmente engessado, para criar é preciso um certo ambiente, em especial, é preciso espaço mental.
Tenho observado no meu cotidiano como a logística da vida contemporânea se torna cada vez mais complexa. Tarefas, que antes eram simples, ganham novos passos a cada dia. Para tudo é preciso baixar um aplicativo, escanear um QR Code, dar três pulinhos para São Longuinho, digitar uma senha com três caracteres em maiúsculas e outros dois do alfabeto grego.
Novas etapas foram criadas e assim tivemos a captura do nosso tempo e atenção. Por exemplo: se eu faço um pedido no delivery, eu tenho que esperar a portaria virtual me fazer uma chamada telefônica para saber quando o entregador chegou, isso me obriga a retirar o telefone do silencioso e prestar atenção nele. O interfone, que sempre funcionou tão bem, hoje vive esquecido.
Esse auê tecnológico afeta todo mundo, mas basta fazer o recorte de gênero para perceber como algumas questões se evidenciam. A sobrecarga feminina é uma corrida de obstáculos para a criatividade, o modelo social de maternidade ocupa e exaure as mães, praticamente toda a economia do cuidado é sustentada pelas mulheres, a jornada de trabalho é pesada e a gente ainda ganha menos. Para sobreviver, é preciso lidar com burocracia e quando não estamos correndo atrás da burocracia, ela está correndo atrás da gente.
De onde vamos tirar energia e potência para criar?
A sensação é claustrofóbica. Não existe um bolsão de ar no sufoco das tarefas cotidianas e a realidade se distancia cada vez mais da imagem idealizada da artista vivendo um processo de criação em um teto todo seu.
Alguns destinos trágicos de mulheres extraordinárias também não são os fatores mais animadores. Whitney Houston, Amy Winehouse e tantas outras que deixaram de ser tudo que poderiam ter sido. Mesmo em casos menos drásticos, como Britney Spears que está viva, mas viveu mais de uma década com seus direitos aprisionados por seu próprio pai, ou Larissa Manoela, que com apenas 22 anos precisou tomar a difícil decisão de abrir mão dos frutos do trabalho de uma vida inteira, após ter sido usurpada por seus empresários (também conhecidos como seus pais).
É como se o talento de uma mulher fosse uma benção concedida por aqueles que supostamente as amam, como se o conteúdo de uma pessoa pudesse pertencer a outra.
Mesmo deste claustro social, as mulheres seguem reinventando o significado de ser artista. Sobreviver ao caos das tarefas e demandas e ainda manter pulsando a potência para criar, talvez isso seja a própria arte.
Para ouvir
A psicanalista Vera Iaconelli está lançando o livro “Manifesto antimaternalista” (Zahar) apresentado como “Uma denúncia contundente da armadilha ideológica que responsabiliza as mulheres pelo cuidado com as próximas gerações”. Para falar mais sobre o assunto, ela esteve no podcast “O Assunto” e vale a pena escutar o episódio:
Para ler
“Pássaros na boca e sete casas vazias”, de Samanta Schweblin: em uma coletânea de contos que flerta com o horror e o fantástico, a autora narra a estranheza que nos é mais íntima e cotidiana.
Pássaros na boca e sete casas vazias - Editora Fósforo
Para assistir
O canal do Youtube da Variety tem uma série de conversas entre atrizes e atores de Hollywood que são uma verdadeira preciosidade do entretenimento. Escolhemos a conversa entre Viola Davis e Jennifer Lawrence, mas existem tantas outras valiosas e divertidas.
Últimas publicações:
Última coluna do Luciano publicada na Sler, em 26/09/2023, “Por que nos atrasamos tanto?“: https://sler.com.br/por-que-nos-atrasamos-tanto/
Última publicação do Luciano no Sul21, em 26/09/2023, “As fotos da festa ficaram ótimas“: https://sul21.com.br/opiniao/2023/09/as-fotos-da-festa-ficaram-otimas-coluna-da-appoa/
Escute o último episódio da temporada do Na Sala de Espera. Em breve uma nova temporada:
Agradecemos a leitura. Se você ainda não se inscreveu, assine para receber a Nota de Rodapé e compartilhe nossa newsletter com seus amigos.