Essa newsletter traz um texto da Thai e um texto do Luciano.
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Boa leitura!
Desencaixe
por Luciano Mattuella
Não é surpreendente que, para um menino que passava as tardes brincando de LEGO, o meu maior medo como adulto seja o desencaixe.
Não que na infância eu fosse muito encaixado, na verdade. Na adolescência e no começo da vida adulta, então, nem se fala: eu sentia uma profunda inveja daqueles que estavam bem encaixados, vivendo os amores e desvarios que são esperados nessas épocas.
Mas, como um adulto mais maduro, o meu pavor é de não acompanhar mais o ritmo do mundo.
Tenho receio de ficar por fora dos filmes, séries e músicas, de não aprender as gírias e maneirismos linguísticos; de me perder nas referências contemporâneas.
Sempre tive um incômodo com os nostálgicos, mas talvez esse desconforto se deva justamente a me perceber, muitas vezes, também sentindo falta de coisas que não existem mais, ou que estão em vias de extinção: porteiros que se possa cumprimentar ao chegar em casa, jornais e revistas em papel, anotações escritas à mão.
Toda vez que chego no meu prédio, sinto um certo vazio quando vejo a cadeira desocupada onde há mais de uma década sentava o Seu Horizonte, um porteiro por quem tive muito carinho. Não sei por quê insistem em manter a mesa da portaria ali, como um monumento ao sorriso caloroso e calmo do Seu Horizonte.
Era ele que deixava o jornal e as revistas na porta dos apartamentos, todos os domingos. Lembro da minha alegria quando, perto das três da tarde, eu ouvir o farfalhar das publicações contra o tapete de entrada. Os finais de domingo eram bem mais toleráveis ao folhear a Superinteressante e o extinto caderno de cultura da Zero Hora.
Nessa época, eu não brincava mais de LEGO, mas precisava encaixar muitas peças da minha vida.
Hoje em dia, escrevo este texto sobre os porteiros e os jornais e revistas em papel em um computador, porque assim é mais rápido do que no papel. Mas sinto que estou traindo a celulose. Coleciono canetas como quem guarda relíquias, como quem insiste no desencaixe.
Porém, a nostalgia é a sensação íntima do desencaixe, e pode facilmente levar ao ressentimento.
O nostálgico não desfaz o LEGO, não se permite ver as peças de outra forma, montar outros cenários e universos. Um dos maiores baratos daquela caixa cheia de peças era poder montar e desmontar à vontade, flertando com a impermanência.
As peças espalhadas e uma construção por vir são uma boa imagem do que é a infância.
A criança tem esse poder maravilhoso de não se acostumar com as montagens prontas, de não se acomodar ao manual de instrução que vem nas caixas.
Nesse sentido, a nostalgia é o fim da infância.
Não quero isso pra mim, então vou ter que me acostumar com as detestáveis portarias virtuais, com o meu leitor de e-books e com a praticidade do aplicativo de notas do celular.
Tudo bem, faço essa concessão.
Mas também tenho receio de perder meus alicerces ao desmontar a construção que, peça a peça, fiz ao longo dos anos.
Até porque, se eu não vivi o que supunha dever ter vivido na juventude, então que aqueles blocos de montar avulsos sirvam para alguma coisa agora.
MULHERES DE PALAVRA: uma conversa aberta com uma escritora e uma psicanalista sobre “Arte com Eros”. A entrada é UM LIVRO que será incorporado ao acervo do Espaço Mon Soleil.
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Fazer a criatividade sobreviver ao sucesso
por Thaiane Paschoal
Minha última leitura foi De onde eles vêm, o mais novo romance de Jeferson Tenório, e eu curti bastante. Quando o escolhi, não criei uma grande expectativa em gostar do livro, mas depois fiquei pensando na razão disso.
O romance anterior de Tenório, O avesso da pele, foi um sucesso estrondoso; diria que é praticamente uma unanimidade entre leitores e no meio literário. Esse efeito elevou a barra das expectativas em relação às seguintes obras do autor.
Me recordo da ocasião do lançamento de Salvar o fogo, romance mais recente de Itamar Vieira Junior, que também aconteceu após o grande sucesso de Torto Arado. A crítica teceu alguns comentários não elogiosos sobre o livro, e o autor reagiu, respondendo e dando indiretas que demonstraram abertamente seu descontentamento.
Apesar de escolher esse exemplo, não quero entrar no mérito da questão; minha reflexão tem apenas um foco: as expectativas.
A arte, assim como toda criação, é uma expressão única e irrepetível. Não há uma sequência de livros, filmes, séries ou qualquer ato criativo que se repita igualmente, ainda que seja uma continuidade.
Há algum tempo, assisti a um TED Talk com Elizabeth Gilbert, autora do best-seller Comer, rezar e amar, adaptado para o cinema com a protagonista interpretada por Julia Roberts. Nessa palestra, ela fala da importância de não deixar que um êxito significativo bloqueie a possibilidade de novas criações, de como é impossível agradar na mesma medida quem amou o seu trabalho anterior. Nesse caso, o desafio é fazer a criatividade sobreviver ao sucesso.
Mas voltando ao De onde eles vêm, acho que a minha chegada ao livro sem grandes expectativas foi um ato de respeito ao autor. Intimamente, decidi não esperar uma repetição dos efeitos que me causaram O avesso da pele. Isso permitiu que eu deixasse aquela obra me impactar por si própria.
Funcionou. Tive uma ótima experiência de leitura.
A questão é que a relação entre escritor e leitor não é uma obrigação. O leitor não é obrigado a gostar, mas o escritor também não é obrigado a escrever sempre o mesmo livro, até porque isso não é possível.
É um outro livro, uma nova obra. A atitude de continuar criando, continuar fazendo arte, apesar das expectativas, é o que faz um artista.
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