Essa newsletter traz um texto da Thai e um texto do Luciano.
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Boa leitura!
Um fracasso me disse
por Thaiane Paschoal
Nos acostumamos às narrativas dos vencedores. Se a história tiver uma superação, vale ainda mais likes. Eu mesma me vejo presa nesse engodo; ainda assim, internamente, carrego meus fracassos.
Quando perco algo, não sinto o impulso imediato de pegar o celular para compartilhar o insucesso. Não é natural fazer esse movimento de contrafluxo.
Atualmente, estou muito dedicada ao meu trabalho: Espaço Mon Soleil e escrita. Levo minhas questões profissionais para o divã, ocupo horas das minhas conversas com o Luciano com esse assunto, mando áudios de oito minutos para a Dani para compartilhar meus dilemas. Agora, senti vontade de compartilhar uma história de fracasso.
Um dos meus projetos falhou miseravelmente. Isso não foi suficiente para me fazer parar, mas me deixou com ainda mais neuras e algumas questões de autoestima.
Em 2019, pedi demissão e resolvi seguir novos rumos. Honestamente, eu não sabia o que queria fazer, só sabia que estava cansada de emprestar minhas cores para outros carnavais. Tinha chegado o momento de ser minha própria diva.
Meu mapa astral não me permitiu fazer isso de maneira irresponsável. Ativei minha Lua em Capricórnio, fiz uma preparação financeira, planejei, decidi iniciar uma consultoria em Desenvolvimento Humano. Gastei com identidade visual, fiz trocentos cursos, acionei todos os meus contatos; até no LinkedIn Premium eu apostei. Bastante organizada, porém, em termos de confiança, o saldo era negativo.
Então veio 2020, e todo mundo sabe o que aconteceu. Fiquei com um negócio novo, sem compradores, trancada dentro de casa. Nenhuma empresa possivelmente contratante cairia no meu colo dentro do meu apartamento no Água Verde, em Curitiba.
Sem clientes, sem contatos, sem salário, sem rumo.
Entrei para o digital com a Colmeiahub, empresa que teve o nome criado por uma assessoria de marketing e com a qual eu nunca me identifiquei por inteiro. Dei meus pulos. Aprendi a fazer coisas que ajudaram a pagar as contas, aceitei jobs que remuneravam mal, recebi uma sequência absurda de “nãos”, de todos os lados e de variados tipos, esgotei minhas reservas financeiras. Foi exaustivo.
Eu não estava identificada com o meu negócio, mas, mesmo assim, entreguei o melhor que tinha (tenho clientes dessa época até hoje e sigo prestando serviços para essas pessoas). Ainda assim, isso não foi suficiente para ser sustentável, e o resultado foi um fiasco retumbante na minha vida.
Difícil foi, mas eu engoli com farofa. Fiquei nos trilhos nos meus outros projetos. A Colmeia estava claudicante, mas meus outros investimentos me levaram adiante.
Não foi por falta de ouvir sinais de alerta, mas, naquele momento, eu não tinha outra opção. Eu não estava pronta para uma pandemia mundial, tampouco para receber tantos “nãos”. Um fracasso me disse que “querer” e “precisar” nem sempre andam juntos.
Gostaria de ter uma história diferente para contar, mas não tive escolha. Bebi do combustível do fracasso e decidi seguir em frente, abastecida por algo tão potente quanto gasolina benzida com ódio.
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Pedras, peças e outras heranças
por Luciano Mattuella
No final de semana passado, montei uma nave espacial de LEGO, depois de trinta e cinco anos sem brincar com aquelas pecinhas mágicas.
Eu e a Thai estávamos no shopping e, por algum motivo, bateu uma vontade estranha de entrar na loja da LEGO. Essa “vontade estranha” vai ser explicada - pega na minha mão que a gente chega lá.
Enfim, entrar na loja me jogou de volta à infância, o que poderia ser só um clichê, tendo em vista que era uma loja de brinquedos, afinal. Boa parte da minha infância foi mesmo um clichê, fazer o quê?
Mas o ponto é que me remeteu a uma cena fundante de quem eu sou: tenho mais ou menos seis ou sete anos e estou sozinho no meu quarto, montando uma casa de LEGO. Minha mãe entra e faz uma brincadeira: “Ah bom, era só pra ver se tu estava vivo!”.
Eu era uma criança silenciosa, o que talvez já não seja muito clichê, só um tantinho melancólico.
Por não ter irmãos, agora entendo que eu me via como alguém muito sozinho desde pequeno. E não acredito muito nesse papo de “curtir a própria companhia”, até porque carrego até hoje dentro de mim essa dúvida da minha mãe: estou vivo, mesmo?
Ficar sozinho com esse pensamento não é lá tão legal, sabe?
Mas ok, o papo era sobre LEGO.
Na loja, me deparei com uma cena um tanto… triste? Um rapaz se aproximava dos LEGO da Marvel - tem uns lindos, diga-se de passagem -, e sua namorada ou esposa falou algo como: “Ah não, Marvel, não!”. Deu pra ver as pecinhas caindo do corpo do cara.
Enquanto isso, eu ficava maravilhado com uns LEGO da Nasa, naves espaciais clássicas, como a Artemis, um projeto que busca levar a humanidade para a Lua. A Thai, do meu lado, me incentivando a comprar algum daqueles LEGO, ainda que eu achasse tudo muito caro.
No fim, comprei uma nave de Star Wars, de mais ou menos 460 peças. Passei o sábado todo montando. Foi uma delícia simplesmente deixar todas as telas de lado e gastar aquelas horas de forma analógica.
Peça a peça, foi como se eu reconstruísse a minha infância.
Curioso é que eu precisei de alguns dias para me dar conta de algo, um detalhe que explica aquela “vontade estranha” de que eu falava no começo (eu disse pra pegar na minha mão).
Meu avô era pedreiro. Um dos meus tios trabalhava em um britador, um lugar que quebra pedras. O meu pai foi geólogo. Pedras por todos os lados.
Passei minha vida inteira me perguntando onde estavam as pedras na minha própria história. Fiz todo um malabarismo em análise para tentar colocar essas pedras em algum lugar.
Quem diria que a resposta estava na infância?
Eu diria, afinal, sou psicanalista.
As pedras, que no fim das contas soterraram meus familiares - isso é papo pra outro texto -, chegaram até mim de outra forma. Não como uma maldição, mas como a lúdica possibilidade de construir o que eu quiser. Até mesmo uma nave que me leve até a Lua.
As peças de LEGO - as bricks, no inglês - como esses pedacinhos coloridos de uma herança que por tanto tempo refutei. Um legado que neguei porque não queria me deixar assombrar pelo mesmo destino dos meus antepassados, para quem as pedras viraram lápides.
“Só pra ver se estava vivo”.
Que bom que a Thai me incentivou a comprar aquele LEGO. Ela tem certeza de que eu estou vivo, mesmo quando fico meio quieto.
Aliás, talvez eu tenha escolhido uma nave do Star Wars não só porque era mais barata do que as da NASA. Mas porque, às vezes, é importante desconstruir o pai que tivemos, e até perceber que o herói idealizado, em algumas cenas, pode também ser o vilão: “Luke, I’m your father”.
Agradecemos a leitura.
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